A importância dos livros clássicos de cálculo

Ultimamente, após ler o excelente livro “Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman!“, passei a dar mais importância para livros clássicos (e antigos!) de cálculo. E agora, ao ler alguns livros antigos recomendados pelo próprio Feynman, entendi porque esses livros clássicos são importantes.

Na graduação em Ciência da Computação, na FAESA, estudamos por bons livros contemporâneos de cálculo, como o Stewart ou o Thomas.

Eu mesmo tenho os dois volumes da 8ª edição do Stewart (publicado em 2015 nos Estados Unidos; a tradução é de 2017):

Volume 1 e Volume 2, na Amazon

Mas eu também tenho um outro livro, um pouco mais antigo (foi publicado em 1996), que me ajudou muito, a 2º edição do Simmons, “Calculus with Analytic Geometry”:

Livro texto e Livro resposta na Amazon

O livro do Stewart tem diagramação moderna, é totalmente colorido, e conta com milhares e milhares de gráficos, tabelas e figuras para facilitar a compreensão do aluno e o entendimento das fórmulas e equações. Praticamente todo parágrafo (ou um conjunto de parágrafos) que explica algum conceito tem uma ou mais figuras ilustrativas.

Já o livro do Simmons tem, basicamente, texto, fórmulas e equações. É monocromático e nem de longe tem a quantidade de gráficos, figuras e ilustrações disponíveis no Stewart. Sim, claro que o livro do Simmons tem algumas figuras e gráficos mas são restritas ao mínimo absolutamente necessário para o esclarecimento de algum conteúdo mais difícil.

Logo de cara percebe-se uma grande diferença entre o Stewart e o Simmons: neste as figuras são utilizadas apenas para explicar enquanto naquele são utilizadas também para ilustrar. O que eu quero dizer com isso?

  • Quando o Simmons fala sobre alguma coisa fácil no texto (ou alguma coisa considerada um pré-requisito que o aluno já deveria dominar) ele não inclui nenhuma figura, gráfico, tabela ou ilustração; o Simmons só utiliza ilustrações para auxiliar a explicação do conceito desenvolvido no texto;
  • Já o Stewart, até mesmo para as coisas mais simples, inclui várias tabelas, gráficos e figuras que algumas vezes servem para explicar conceitos mas, em muitos casos, estão lá somente para ilustrar uma passagem do texto.

Me arrisco a resumir essas duas abordagens da seguinte maneira: a) foco na visualização (grande quandiade de tabelas, gráficos, ilustrações, etc.); e b) foco na explicação textual (prevalência do texto e ilustrações mínimas).

A pergunta óbvia (e mal formulada) que surge é: “Qual dos dois livros é o melhor?”

Essa pergunta é mal formulada pois remete a uma questão subjetiva de gosto pessoal. Alguns ficarão mais à vontade com as ilustrações enquanto outros preferirão o texto. Eu mesmo tenho os dois livros e acho que eles se complementam mutuamente.

Mas uma coisa é inegável: a leitura do Simmons é muito mais envolvente, dinâmica e cativante do que o Stewart. Isso é até meio óbvio: como o Simmons não conta com muitos recursos visuais, o texto deve ser bom o suficiente para fazer com que os alunos entendam. E isso, em minha opinião, é uma enorme vantagem: ao seguir uma linha de raciocínio clara, explicada detalhada e continuamente (sem “cortar” o raciocínio do leitor enviando-o para milhares de ilustrações) o Simmons parece que está ao nosso lado, falando diretamente para nós.

Claro que sem o suporte de ilustrações, às vezes, é um pouco mais difícil entender um conceito, mas a dificuldade é compensada com o aprendizado: com o Stewart é fácil olhar uma figura e achar que entendeu quando, de fato, a essência não foi compreendida; já com o Simmons é fácil ler o texto e não entender, o que te obriga a reler e pensar várias vezes até compreender a essência do que o autor queria explicar.

E isso é exatamente o que ocorre com os livros clássicos antigos de cálculo: muito texto, fórmulas e equações, mas organizados quase como se fossem bons livro de romance: você começa a ler e não consegue parar até entender. A leitura deles é cativante e, por incrível que pareça, os livros antigos explicam alguns conceitos de forma mais didática e melhor do que os livros atuais.

Estudar também por livros antigos facilitará a compreensão dos conceitos essenciais.

E o que são esses conceitos essenciais? Um exemplo ajudará a entender. Feynman relata uma situação na qual seus colegas de graduação estavam discutindo se as “Curvas Francesas” eram construídas de acordo com algum projeto especial:

Curva Francesa

Feynman, por brincadeira, disse que sim, as curvas francesas eram construídas de modo que, não importando a posição em que você colocasse o instrumento, a tangente no ponto mais baixo de qualquer curva daquelas seria sempre horizontal. Bem, os colegas de graduação ficaram impressionados e extasiados com essa “descoberta” e passaram a desenhar as mais diversas curvas para demonstrar essa “novidade”. E aqui Feynman faz uma crítica: todos os alunos já tinham passado pelas disciplinas de cálculo e, em tese, já tinham aprendido que a derivada (tangente) no ponto mínimo (ou máximo) de qualquer curva é zero (horizontal), mas esses alunos não conseguiam juntar dois com dois, eles nem sabiam que “sabiam”.

Para Feynman essa fragilidade é causada porque os alunos não aprendem por compreensão (o entendimento da essência da coisa) mas, sim, por memorização ou coisa parecida. E o resultado é um conhecimento frágil.

Utilizar livros clássicos de cálculo pode ajudar bastante nessa deficiência do aprendizado: por não contar com muitos recursos gráficos os autores se superavam para explicar detalhadamente todos os conceitos importantes no texto.

Não fique só com minha opinião, veja por si mesmo! Os livros de cálculo utilizados pelo próprio Feynman enquanto ele era estudante de graduação estão disponíveis gratuitamente para download no The Internet Archives:

  • Calculus for The Practical Man, de J. E. Thompson (publicado originalmente em 1923): leia o capítulo 1 e veja se você tem o conhecimento intuitivo sobre diferenciais da forma com que o autor explica;
  • Elementary Calculus, de Frederick S. Woods e Frederick H. Bailey (publicado originalmente em 1922): foi, durante muitos anos, o livro texto da disciplina de “Cálculo I” dos alunos do MIT;
  • Advanced Calculus, de Frederick S. Woods (publicado originalmente em 1926): segundo o próprio Feynam esse foi o livro que lhe forneceu o ferramental para se tornar um exímio solucionador de problemas de integração.

Obviamente não estou pregando o abandono dos livros modernos, estou enfatizando a importância de juntar ao seu arsenal de estudos os livros clássicos também. Estão disponíveis gratuitamente no The Internet Archives, basta um pouco de força de vontade para estudar!

2 comentários sobre “A importância dos livros clássicos de cálculo

  1. Voltei a estudar Cálculo depois de mais de 30 anos de formado em engenharia. Naquela época eu sofri com o Earl W. Swokowski. Agora eu escolhi o Simmons por sua abordagem bem mais fluida o que teria poupado muitos esforços. Mas mesmo assim, enrosquei em um exercício do livro o Simmons e fui atrás de solução, quando encontrei esse artigo sobre cálculo.
    Estou na luta agora para conseguir um exemplar esses de soluções do Simmons.

    • Olá Cláudio, obrigado por seu comentário! Os dois são excelentes livros mas eu considero o do Simmons mais didático do que o Swokowksi. Além disso a contextualização que o Simmons faz, sob diversos aspectos do cálculo, tornam o entendimento da “big picture” mais fácil. Eu consegui comprar, há muitos anos atrás, um exemplar do livro de soluções do Simmons… hoje em dia, infelizmente, está mais raro de encontrar e, por isso mesmo, está com preço bem alto. O jeito é ter paciência e esperar encontrar em algum sebo ou leilão no eBay.

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