Brincando, Feynman me tornou um acadêmico melhor

Acabei de ler o livro “Só pode ser bincadeira, Sr. Feynman! As excêntricas aventuras de um físico“, publicado em português pela Editora Intrínseca. É possível descrever o livro com uma só palavra: fenomenal!

Richard Phillips Feynman (1918-1988) dispensa apresentações para os estudantes, acadêmicos, professores e cientistas das áreas de exatas. Todos o conhecem como:

  • O gênio que ajudou a desvendar os segredos da eletrodinâmica quântica (e, por isso, foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 1965);
  • O professor de didática e paixão inabalável pelo ensino, o que lhe rendeu a alcunha de “The Great Explainer“;
  • O autor da famosa série de palestras de física, as Feynman Lectures;
  • O prodígio que aprendeu Cálculo Diferencial e Integral, sozinho, aos 13 anos, e cálculo avançado no ensino médio;
  • Um dos pais da bomba atômica, trabalhando como físico em Los Alamos;
  • O criador dos famosos Diagramas de Feynman, que são representações de expressões matemáticas que descrevem o comportamento e interação de partículas sub-atômicas;
  • O estudante que criou um método eficaz de estudo, posteriormente batizado como The Feynman Technique;
  • Um dos investigadores que descobriu as causas do desastre do Ônibus Espacial Challenger;
  • … os exemplos são inúmeros.
Feynman, ao redor de 1965. Fonte: The Nobel Foundation

Ao ler “Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman”, esperava encontrar uma espécie de biografia “adocicada” (esse é o problema de julgar um livro pelo título), mas não podia esperar, nunca, o que encontrei.

O livro é uma coletânea de textos escritos e editados por Edward Hutchings, baseados nas histórias que o próprio Feynman contava, sobre sua vida, ao seu amigo e parceiro Ralph Leighton enquanto ambos tocavam percurssão juntos. Primeiro choque: como é que é? Um dos ganhadores do Prêmio Nobel tem uma carreira de quase uma década como percursionista?

E assim, de choque em choque, fui entendendo melhor quem foi Feynman, o que ele fez e como fez. É impossível não passar a admirar o homem e o mito.

O livro conta a história de Feynman, desde a infância na cidadezinha de Far Rockaway, nos arredores de Nova York, até sua ida ao MIT para a graduação, o doutorado em Princeton, os anos de desenvolvimento da bomba atômica em Los Alamos, o trabalho como professor em Cornell e no Caltech, os meses em que morou e lecionou no Brasil e diversos outros aspectos de seu trabalho e sua vida. O livro não aborda os anos finais da vida de Feynman.

Para mim foi um choque tremendo descobrir que Feynman, para muito além do gênio acadêmico, foi um tremendo de um brincalhão, mulherengo (em uma de suas histórias ele conta que perguntou para uma mulher que acabara de conhecer: “antes de eu lhe pagar uma bebida já gostaria de saber: você vai dormir comigo?” – a resposta foi sim), frequentador assíduo de boates de striptease (ele trabalhava em suas equações físicas entre um show e outro, e chegou até a defender a boate em um processo movido pelo governo), um arrombador de cofres (que deixava os colegas e os militares de Los Alamos malucos), desenhista, percursionista, decifrador da numeração Maia e festeiro inveterado, entre muitas outras coisas que normalmente não se esperaria de um ganhador do Nobel.

Feynman foi, durante toda a vida, um gênio travesso e nada ortodoxo. Não perdia uma “balada”, uma festa, uma oportunidade de aprontar uma “pegadinha” com qualquer um, independentemente de posição. Suas histórias de como gostava de irritar os militares em Los Alamos, escrevendo cartas criptografados para sua esposa (para driblar a censura), são impagáveis.

Feynman (agachado, ao centro) no Carnaval do Rio em 1952. FONTE: Caltech Archives

Aliás, todas as histórias nesse livro são impagáveis. Feynman relata tudo com um bom humor e uma descrição tão vívidas que você se sente ao seu lado, vivendo suas aventuras e participando de suas travessuras. Algumas são tão surreais que você entende perfeitamente o título do livro: uma vez Feynman teimou que queria ter alucinações e experiências extracorpóreas para estudar o funcionamento da mente ou algo parecido, e acabou freqüentando e participando, durante semanas, de experiências em tanques de privação sensorial. Ele chegou a fumar maconha para ajudar na experiência alucinógena e extracorpórea. Quando ele contava isso para alguém a reação era óbiva: “você só pode estar brincando”.

Mas não se deixe enganar: apesar do livro mostrar “a outra face” do gênio da física, uma que, convenhamos, nunca esperaríamos encontrar, aprendemos imediatamente o motivo de Feynman ter sido quem foi.

Sua curiosidade infinita pela natureza e por achar explicações para o funcionamento do mundo, sua verdadeira paixão e devoção à ciência, sua habilidade matemática excepcional, sua teimosia em falar dura, direta e abertamente sobre tudo e sobre todos e sua persistência na busca da verdade, nos inspiram e motivam.

Feynman em uma de suas famosas Lectures de física. FONTE: The Feynman Lectures

Para o estudante, cientista ou acadêmico, há muitos ensinamentos importantes no livro. E é uma delícia aprender pois estão imiscuídos em histórias e aventuras fantásticas vididas por Feynman. A leitura é cativante e, se você prestar atenção, aprenderá coisas sobre diversos assuntos: como ser um bom cientista, como ser um bom professor, como estudar e aprender, e o que fazer para o seu próprio crescimento intelectual. São ensinamentos tão importantes que eu não me contive: fiz um fichamento de tudo o que eu aprendi lendo suas histórias fantásticas:

Raramente considero um livro biográfico tão bom ao ponto de fazer o fichamento de seus assuntos. “Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman!” é simplesmente fenomenal.

Dois capítulos do livro foram especialmente impactantes:

  • Quando ele narra a experiência de morar e lecionar no Brasil, ele conta a história de como foi convidado a dar uma palestra sobre o ensino de física e concluiu: o sistema de ensino é uma droga, uma porcaria, 100% ineficiente. É impressionante o relato que ele faz, sobre como os estudantes brasileiros começam a estudar muito mais cedo do que os americanos, mas o ensino é totalmente errado e, por isso, ninguém aprende nada, ninguém consegue sair da decoreba mais básica (inclusive na pós-graduação!). Também malhou os livros didáticos em uso. Claro, isso com todos os maiores físicos, professores e autores dos livros na platéia. O relato que Feynman fez dos problemas de ensino, há mais de 50 anos, continuam mais atuais do que nunca; e
  • O último capítulo do livro, intitulado “A ciência do culta da carga” é a melhor explicação sobre honestidade e integridade acadêmica que eu já li na minha vida. Eu nunca tinha lido uma explicação tão simples, tão direta, tão vívida e clara quanto a que Feynman deu, para um tema tão importante e abstrato como honestidade e integridade acadêmica. Eu reli esse último capítulo umas 3 vezes, de tão imporante.

Enfim posso dizer com certeza que, entre uma brincadeira e outra, Feynman me tornou um acadêmico melhor. Leia o livro, conheça o homem e o mito, e prepare-se: você também vai achar que suas histórias e aventuras só podem ser brincadeiras!

2 comentários sobre “Brincando, Feynman me tornou um acadêmico melhor

  1. Sou a Marina Da Silva, gostei muito do seu artigo tem
    muito conteúdo de valor parabéns nota 10 gostei muito.

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