Guia para a leitura do “How To Solve It”

Pode um livro alterar significativamente sua crença sobre o que é boa didática para um professor e, ao mesmo tempo, alterar significativamente sua abordagem de resolução de problemas enquanto estudante? Sim! O livro “How To Solve It“, publicado em 1945 pelo matemático George Polya (que dispensa apresentações) é uma dessas jóias preciosas (infelizmente hoje um pouco esquecido pelo tempo).

Modéstia à parte sempre fui muito bom em dar aulas e explicar conceitos complicados, mas o “How To Solve It” de Polya me mostrou que estou muito longe do ideal (tanto como professor quanto como aluno). Aliás, infelizmente, a educação atual não chega nem perto do básico sugerido por Polya.

Após ler o livro e, principalmente, utilizar o método proposto por Polya para resolver problemas enquanto estudante, afirmo: é leitura obrigatória para professores e alunos de áreas exatas (matemática, física, ciência da computação, engenharia…).

Para ajudar quem estiver disposto a aprender e utilizar o método de Polya, eu fiz duas coisas:

  • Traduzi as questões e sugestões do How To Solve It e criei dois “cartões” que podem ser impressos (frente e verso) e mantidos para referência e consulta durante a resolução de problemas; e
  • Preparei este guia de leitura do livro.

Para aprender a utilizar o método de Polya, faça o seguinte: imprima um dos cartões e siga este guia de leitura! Boa leitura!

1. Cartões de referência

Eu preparei 2 cartões de referência com as questões e sugestões do How To Solve It, um no formato 4×6 polegadas e outro no formato A5.

O formato 4×6 polegadas contém a íntegra da lista de Polya, mas está com letra bem pequena (para manter o cartão pequeno) e pode ser de difícil leitura para algumas pessoas. Em compensação é o tamanho mais portátil.

O formato A5 (metade de uma folha A4) também contém a íntegra da lista de Polya e, adicionalmente, uma lista de complementos de leituras que devem ser feitos. A letra está um pouco maior e pode ser mais fácil de ler, sacrificando um pouco a portabilidade.

A idéia desses cartões é a seguinte: você deve imprimir um dos modelos (em papel comum mesmo) e depois colá-lo em um pedaço de cartolina de tamanho apropriado. Se possível você deve plastificar tudo para maior durabilidade. Depois, ao seguir este guia de leitura ou seguir o método de Polya em problemas reais, consulte o cartão como uma lista de procedimentos a serem feitos.

Note que nos cartões há vários números sobrescritos: estes números indicam o número da página do livro onde Polya explica detalhadamente cada parte do método. Os números das páginas referem-se à reimpressão de 2014 feita pela Princeton University Press (ISBN: 978-0-691-16407-6) cuja foto está no início deste artigo.

As figuras a seguir mostram os cartões de referência, impressos em impressora laser comum, colados em cartolina e depois plastificados:

Formato 4×6 polegadas, frente
Formato 4×6 polegadas, verso
Formato A5, frente
Formato A5, verso

2. Guia de leitura

O How To Solve It é um livro fantástico mas penso que o modo como foi escrito dificulta um pouco a leitura para quem está estudando esse material pela primeira vez.

Polya faz uma apresentação geral do método nas duas primeiras partes do livro e, na terceira parte, onde os detalhes são explicados, os termos e conceitos estão organizados sob forma de um dicionário em ordem alfabética. O leitor fica um pouco “perdido” sem saber ao certo o que deve ler, quando deve ler, e em que ordem deve ler. Deve ler o dicionário de A até Z? Deve ler os termos do dicionário à medida que aparecem nas partes iniciais do livro? Que termos são relacionados entre si e devem ser lidos em seqüência?

O próprio Polya é um tanto omisso quanto a leitura: ele dá apenas algumas sugestões gerais que não são suficientes para orientar de fato quem está começando. Eu tive esse problema.

Outro ponto de dificuldade é que Polya apresenta o método basicamente pela visão do professor de matemática, com alguns trechos entrecortados com a visão do aluno. Polya, de fato, transforma o livro quase como se fossem conselhos dados a um professor. John Conway, que escreveu o Foreword do livro, não deixou esse fato despercebido e escerveu:

Indeed, as Polya remarks in his introduction, the first part of the book takes the teacher’s viewpoint more often than the student’s. Everybody gains that way. The student who reads the book on his own will find that overhearing Polya’s comments to his non-existent teacher can bring that desirable person into being, as an imaginary but very helpful figure leaning over one’s shoulder.

John H. Conway

Uma última dificuldade é que alguns termos do dicionário parecer estar “soltos”, sem uma ligação forte com o método explicado nas partes iniciais do livro. Quando devemos ler esses termos?

Por todas as dificuldades que relatei, criei um guia de leitura para o How To Solve It. Procurei ser fiel ao plano original de Polya mas organizei a leitura do livro em partes relacionadas, indicando quando ler cada termo do dicionário. Siga as seções abaixo para ler o How To Solve It!

2.1. Visão geral do método

Esta seção indica a seqüência de leituras que devem ser feitas para familiarizá-lo de modo geral com o método de Polya. Ao final das leituras indicadas aqui você terá uma visão global de como o método funciona, quais suas partes principais e quais as perguntas e sugestões a serem seguidas. Também verá diversos exemplos da aplicação do método, dados por Polya.

  1. Se você ainda não imprimiu um dos cartões de referência (4×6 polegadas ou o A5) faça isso agora. Mantenha esse cartão de referência do seu lado durante a leitura e identifique no cartão os passos do método enquanto lê o livro.
  2. Comece a leitura entendendo do que se trata o livro. Leia:
    1. From the Preface to the First Printing
    2. Preface to the Second Printing
    3. Foreword by John H. Conway
    4. Introduction
  3. Leia integralmente a “Part I. In The Classroom“, indentificando no cartão de referência todas as perguntas e sugestões citadas no texto. Note que os números sobrescritos indicam as páginas da “Part III. Short Dictionary of Heuristic” que trazem explicações detalhadas, mas NÃO LEIA ESSES TERMOS AGORA, você fará isso depois neste guia de leitura. Seu objetivo neste estágio é entender globalmente como o método funciona e qual o papel de cada item (pergunta ou sugestão) que está transcrito no cartão de referência.
  4. Leia integralmente a “Part II. How To Solve It“, novamente identificando no cartão de referência as perguntas e sugestões citadas no texto. Tenha certeza de que entendeu, pelo menos de modo geral, qual o papel e importância de cada pergunta ou sugestão transcrita no cartão.

2.2. Preparação para o estudo detalhado

Se você fez todas as leituras indicadas na seção anterior, já tem uma excelente visão e entendimento global do método de Polya. Agora é hora de começar a se aprofundar nos detalhes do método mas para isso, antes, é necessário que você entenda o que é heurística, saiba que tipos de problemas podem ser solucionados pelo método, saber o que seu professor espera de você e o que você, como estudante, deve fazer.

  1. Descubra o que é heurística lendo os seguintes termos da “Part III. Short Dictionary of Heuristic“, NA ORDEM INDICADA abaixo (daqui por diante vou me referir a essa parte do livro de Polya somente como o “Dicionário”). Os números entre parênteses indicam o número da página no livro. Evite seguir referências cruzadas para outros termos do Dicionário neste momento, leia apenas o que está indicado a seguir:
    1. Heuristic (112)
    2. Pappus (141)
    3. Descartes (92)
    4. Leibnitz (123)
    5. Bolzano (57)
    6. Heuristic reasoning (113)
    7. Modern heuristic (129)
    8. Terms, old and new (200)
    9. Rules of discovery (172)
    10. Wisdom of proverbs (221)
  2. Descubra que tipos de problemas podem ser solucionados lendo os seguintes artigos do Dicionário, na ordem indicada (novamente, evite seguir referências cruzadas neste momento):
    1. Problems to find, problems to prove (154)
    2. Routine problem (171)
    3. Practical problems (149)
    4. Puzzles (160)
  3. Descubra o que o seu professor espera de você e saiba o que você, como estudante, deve fazer:
    1. The traditional mathematics professor (208)
    2. Diagnosis (94)
    3. Rules of teaching (173)
    4. Rules of style (172)
    5. The intelligent reader (207)
    6. The intelligent problem-solver (206)
    7. Pedantry and mastery (148)
    8. The future mathematician (205)

2.3. Estudo detalhado do método

Se você chegou até aqui já tem uma visão global excelente do método de Polya, sabe o que é heurística (e, portanto, entende o motivo pelo qual as perguntas e sugestões do método funcionam), sabe identificar os diversos tipos de problema e sabe o que você deve fazer (bem como o que seu professor espera que você faça).

Então, agora, é hora de um estudo mais detalhado do método em si. A melhor maneira de fazer isso é usando o método na prática e, à medida que você aplica todas as 4 fases (entendendo o problema, elaborando um plano, realizando o plano, e olhando para trás), lendo os termos adequados no Dicionário.

Encontre um ou mais problemas que você gostaria de resolver e comece a utilziar o método de Polya: use o cartão de referência, siga o método e leia os detalhes de cada passo conforme indicado a seguir.

  1. Inicialmente, aprenda a verificar se está progredindo e prepare-se psicologicamente para a tarefa:
    1. Progress and achievement (157)
    2. Signs of progress (178)
    3. Determination, hope, success (93)
    4. Subconscious work (197)
  2. Enquanto estiver na fase “Entendendo o problema”:
    1. What is the unknown? (214)
    2. Condition (72)
    3. Draw a figure (ver: Figures)
    4. Figures (103)
    5. Notation (134)
    6. Separate the various parts of the condition (173)
    7. Is it possible to satisfy the condition? (122)
    8. Redundant (ver: Condition)
    9. Contradictory (ver: Condition)
  3. Enquanto estiver na fase “Elaborando um plano”:
    1. Bright idade (58)
    2. Examine you guess (99)
    3. Auxiliary problem (50)
    4. Have you seen it before? (110)
    5. Do you know a related problem? (98)
    6. Look at the unknown (123)
    7. Here is a problem related to yours and solved before (110)
    8. Auxiliary elements (46)
    9. Could you restate the problem (ver: Variation of the problem)
    10. Variation of the problem (209)
    11. Definition (85)
    12. If you cannot solve the proposed problem (114)
    13. Generalization (108)
    14. Specialization (190)
    15. Analogy (37)
    16. Symmetry (199)
    17. Decomposing and recombining (75)
    18. Could you derive sometinhg useful from the data? (73)
    19. Working backwards (225)
    20. Did you use all the data? (95)
  4. Enquanto estiver na fase “Realizando o plano”:
    1. Carrying out (68)
    2. Setting up equations (174)
  5. Enquanto estiver na fase “Olhando para trás”:
    1. Can you check the result? (59)
    2. Test by dimension (202)
    3. Can you derive the result differently? (61)
    4. Can you use the result? (64)
  6. Para finalizar o estudo do Dicionário, aprenda algo sobre os problemas de provar:
    1. Why proofs? (215)
    2. Lemma (123)
    3. Corollary (73)
    4. Reductio ad absurdum and indirect proof (162)
    5. Induction and mathematical induction (114)
    6. Inventor’s paradox (121)

2.4. Aplicando o método

Se você fez todas as leituras indicadas nas seções anteriores já sabe tudo o que precisa saber, em detalhes, sobre o método de Polya. Agora basta muito treino para tornar o método algo tão natural que você pode dispensar o cartão de referência.

Polya deixou vários problemas para testar nossa compreensão e treinar o uso de seu método. Assim, se tiver interesse, leia a “Part IV. Problems, Hints, Solutions” e tente resolver os problemas utilizando o método que aprendeu!

3 comentários sobre “Guia para a leitura do “How To Solve It”

    • Olá, boa noite! Só hoje eu consegui um tempinho para realizar a moderação dos comentários. Já está liberado. Obrigado!

  1. Copiei de um rascunho o texto que se segue. Infelizmente, na colagem desapareceram todo o vermelho e todos os itálicos; de modo que fica o texto aparentemente chocho. Mas quem quiser ver que o livro de Polya é uma fantasia, já aqui terá elementos para começar a convencer-se.

    Vamos examinar o primeiro dos problemas propostos por Polya na Parte IV. O que está em vermelho são palavras de Polya, traduzidas por mim.

    1. O problema do urso. É um problema manjado. Um urso parte de um ponto P e anda uma milha direto para o sul. Daí anda uma milha para leste e mais uma milha, dessa vez para o norte, chegando no mesmo ponto P de que partiu. Qual a cor desse urso?

    A minha solução: Imagina-se a Terra e fica-se procurando um lugar onde isso possa acontecer. E o lugar mais fácil, que logo vem à mente, é o Polo Norte. Logo, o urso é branco. O problema está resolvido. Mas depois vê-se que também há outra situação: próximo ao Polo Sul, de modo que o urso desça uma milha pro Sul, e andando sempre para o leste circunde a Terra por uma milha, e suba pro Norte pelo mesmo caminho por que desceu. Depois pode-se estender a circulação para leste por duas vezes, 1/2 milha de cada vez; por três vezes, 1/3 de milha de cada vez, etc….; por n vezes, 1/n de milha de cada vez.

    A sugestão de Polya: Na sua ânsia de pôr em execução aquele roteiro para resolver problemas que ele oferece antes mesmo de começar o livro (na primeira edição esse roteiro é escrito na contracapa), Polya principia por perguntar: Qual é a incógnita? Ora, isso é uma maneira forçada de usar a palavra “incógnita”. Nenhuma pessoa sadia faria essa pergunta num problema gaiato como esse. E segue: A cor de um urso — mas como poderíamos encontrar a cor de um urso a partir de dados matemáticos? Ora, que dados matemáticos, Polya? Só porque se fala em milhas e em pontos da Rosa-dos-Ventos? Depois: O que é dado? Uma situação geométrica — mas ela parece auto-contraditória [self-contradictory]: como poderia o urso, depois de andar três milhas na maneira descrita, retornar ao seu ponto de partida? O que tem de contraditório aí, velho? E, pior, de auto-contraditório? (A tradução de Heitor Lisboa de Araújo anota essa bobagem eliminando o self, assim: “Uma situação geométrica — mas ela parece contraditória; ….) Contraditório é A e não-A, ou seja, uma coisa ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Ou, para os que gostam da nova ortografia, sob o mesmo “aspeto”.

    Agora a solução de Polya: “Você pensa que que o urso é branco e o ponto P é o Polo Norte? Você pode provar que isso está certo?” O que você quer dizer com isso, Polya? Você acha que tem que provar? Provar como? Matematizar o problema, e depois ficar com ainda mais dúvidas sobre se a prova está certa? Polya continua: Como é mais ou menos entendido, nós idealizamos a questão. Olhamos o globo como exatamente esférico e o urso como um ponto material que se move. Não foi isso que eu fiz e qualquer aluno razoável faria? Ou você pensa que imaginei um geóide e um urso de verdade percorrendo aquela trilha? Um urso sem cor, porque só depois de o problema ter sido resolvido é que saberíamos tratar-se de um urso branco! E vem o senhor Polya: Esse ponto, movendo-se em direção ao sul ou em direção ao norte, descreve um arco de um meridiano e descreve um arco de um círculo paralelo (paralelo ao equador) quando se move para o leste. Nomenclatura completamente desnecessária.

    Temos que distinguir dois casos. Aí Polya vem com a complicação: um caso é o de o urso voltar por outro caminho; o outro caso é o de o urso voltar pelo mesmo caminho. Polya coloca esses casos como hipóteses para a resolução do problema. Mas são hipóteses completamente gratuitas. Os dois casos aparecem na resolução do problema. Ele completa a solução com uma informação interessante que no caso não interessa: Os pontos P próximos ao Polo Sul que também resolvem a questão proposta estão num círculo paralelo muito próximo ao Polo Sul (o perímetro do qual, expressado em milhas, é levemente inferior a 2pi + 1/n).

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